Entre senzalas e porões
a responsabilidade civil do Estado pelo dano ao projeto de vida da população preta à luz da súmula 647 do STJ
Palavras-chave:
escravidão, regime civil-militar, súmula 647, dano ao projeto de vidaResumo
Este artigo visa analisar a responsabilidade civil do Estado Brasileiro pelos atos de tortura praticados durante o período da escravidão à luz da Súmula 647 do Superior Tribunal de Justiça e do dano ao projeto de vida causado na população preta, que tem dificuldade no acesso a direitos fundamentais atualmente. Realizou-se um levantamento bibliográfico sobre o tema, bem como análise de decisões judiciais proferidas no âmbito do Tribunal da Cidadania. Deste ponto, escolheram-se as decisões judiciais que compõem a construção dos fundamentos do entendimento sumulado: imprescritibilidade do dano, tutela à dignidade da pessoa humana e existência de violação aos direitos fundamentais. Foram abordadas as circunstâncias histórias que explicam a violência à condição humana durante o período escravista brasileiro. Desde então, as práticas discriminatórias do passado fazem com que a violência continue posta no tecido social brasileiro e consubstancie um dano ao projeto de vida diante das estatísticas no acesso aos direitos humanos dos pretos no país. A partir desse levantamento teórico e empírico obtido, revelou-se que os efeitos decorrentes da escravidão também são passíveis de tutela reparatória, seja por meio do: direito à memória, direito à reparação, direito à justiça e direito à indenização. A pesquisa também revelou a necessidade de construção de uma Comissão Nacional da Escravidão, uma vez que os crimes cometidos durante esse período histórico nunca foram efetivamente reparados ao longo do processo histórico nacional.
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